Um olhar sobre "Horas Breves"

Horas Breves!

Um espetáculo de artes cênicas multilinguagens, concebido para palco italiano e adaptável para espaços múltiplos. Com coreografia de Renata Oliveira e direção dos artistas internacionais iara Solano e Sammy Metcalfe, Horas Breves fala sobre o tempo, sonhos e sentidos. Traz à tona incertezas e convida o público a fazer parte de um mundo ao mesmo tempo que imagético, real e que sempre espera algo de nós.

A plateia é convidada a estar dentro das cenas pelo meio atrativo dos movimentos ali explorados, que fazem menção ao dia a dia, que na maioria das vezes é corrido, mas que pode passar lentamente, tudo vai depender da sensibilidade no olhar de cada pessoa.

As cenas possuem uma linearidade na narrativa, difundida especialmente pela conexão entre os atores, que são quatro, e aparentemente retratam pessoas comuns que são envolvidas por esse “tempo” que é cronológico por manter seu formato irredutível, recusando-se a parar, e em outros instantes são surpreendidos pelo tempo “kairós”, que traz em sua essência a possibilidade de mudar as circunstâncias dando a cada um a possibilidade de seguir novos rumos.

Atrelados a uma rotina que inesperadamente vai conduzindo-os a recordações da vida. Existe uma conexão na iluminação que em vários instantes é reduzida, essa pouca luz joga com a presença dos atores, principalmente quando surgem as velas, que a meu ver denota essa “luz” que há dentro de cada vida, mesmo em meio a momentos de escuridão presentes na jornada de cada ser humano.



Foto: Flaviana OX

As cenas são dispostas de maneira coreográfica, onde os corpos ora se juntam, ora se separam, isso com a ajuda de alguns bancos individuais presentes no palco. Outro traço marcante que traz a reflexão a ideia de um caminhar que pode ser seguido de pessoas, contudo são inevitáveis os períodos de solidão.

Os atores cantam juntos em cena como que percorrendo o “mundo” não somente através de seus próprios corpos, mas através dos rastros deixados por outras pessoas que de alguma forma estão conectados a eles.

Em um determinado momento uma das atrizes lê algumas repostas sobre uma pergunta que foi abordada aos espectadores antes de iniciar o espetáculo: “Com o que você já perdeu seu tempo”? Mais adiante, em cena, ela canta a esse tempo que passa tão rápido e é perdido. Esse momento é finalizado com a outra atriz que queima os papéis e joga na primeira as cinzas, que por sua vez vai tentando juntá-las. Esse instante evoca uma sensibilidade existente entre o fazer parte desse mundo, tentando deixar a sua marca, porém, vê suas tentativas de deixar a os seus “ecos” escaparem, além do desespero desse tempo que cronologicamente não volta.

No decorrer do espetáculo vai surgindo na tela ao fundo textos com horários e datas seguidas de acontecimentos aleatórios, mas que de alguma forma denunciam sonhos, auto cobrança, expectativas e o próprio percurso desse “existir”, que não espera, e que segue adiante.

A direção do espetáculo é extremamente forte, por se tratar de um trabalho que buscou deixar claro o seu aspecto criativo e ousado. O cenário brinca e contrasta com a luz, exemplo disso é um determinado instante no qual surge um círculo de luz azul, que toma conta do ambiente, uma das atrizes gira em torno dele, que a embebece, como que tomada por um êxtase desse “tempo-brincante” que resplandeceu em sua vida.

Recheado de situações que revelam as constantes relações humanas e seus conflitos, o espetáculo de dança-teatro possui encontros e desencontros representados corporalmente pelos atores por meio de gestos e movimentos coreografados. É possível perceber através do figurino das personagens um elo de ligação, onde “conversam” através do cinza, além da leveza transmitida pelos corpos ao trajá-los. Um tom meio sombrio e ao mesmo tempo brincante está presente nas cenas. Acredito que a iluminação, a presença de instrumentos musicais e brinquedos colaborou para a conversão dessa leitura.

Foto: Flaviana OX



Ao terminar o espetáculo, é possível reunir fragmentos das imagens que foram se formando, assim como estamos envoltos pela nossa própria vida, cheia de imprevistos e surpresas, mas que, ao mesmo tempo em que há idas e vindas, encontros e desencontros, existe sempre um ponto de encontro. Um fio condutor que liga a história de cada indivíduo e conecta-o ao mundo que habita, seguido por essas “horas breves”.

Uma das belezas do espetáculo está na liberdade que cada espectador tem de construir a sua própria percepção da história, sem preocupação com a lógica dos fatos. Além de poder despertar no público vários sentimentos como a angústia, a curiosidade, trazer recordações de alegrias esquecidas, ou desejo de a partir da leitura que fez das cenas, dar novos rumos à sua própria vida, enxergando um novo horizonte sobre o seu existir. E, assim, podendo vir a brincar e/ou a levar mais a “sério” esse tempo que nos conduz, no sentido de fazer valer a pena cada segundo. Mas sem tanta cobrança, nem marcação de um relógio social manipulador que exige e aprisiona.

Foto: Flaviana OX