Sons de objetos quando caem no chão

Recentemente, falei sobre meu percurso de criação musical para o espetáculo Horas Breves. Em uma mesa redonda na Universidade Federal do Tocantins. Minha fala retomou dois depoimentos compartilhados anteriormente neste blog. No primeiro, apresentei a concepção de criação musical e sonora para cena que norteia o que venho desenvolvendo junto ao coletivo Agulha Cenas. No segundo, falei sobre a gravação de materiais sonoros para o espetáculo.

Na apresentação, fui além do post anterior, ao expor publicamente, pela primeira vez, uma reflexão sobre o papel de sons de objetos caindo na construção da trilha sonora e musical em Horas Breves. O impulso para gravar esse tipo de som está relacionado à temática da efemeridade explorada pelo coletivo no processo de criação deste trabalho. Mais especificamente, derivou do estudo de um material de referência sugerido pelo Sleepwalk Collective, com quem tivemos o prazer de colaborar nesse processo.

Todo es imposible 198 (Fermín Jiménez Landa, 2008)

Ao assistir o vídeo, depois de me dar conta que seriam tantos minutos com um objeto caindo após o outro, minha atenção voltou-se para o ritmo criado nas imagens. Esse ritmo resulta das diferenças entre os tempos de manutenção de equilíbrio e as maneiras e quantidades de rebotes de cada objeto ao atingir o chão.

Com essa impressão bem vívida, parti para coletar materiais que permitissem desenvolver o análogo sonoro desta composição de imagens em movimento. O ponto de partida foi a gravação do som de inúmeros objetos caindo. Todo esse material foi integrado ao acervo usado para compor as trilhas das cenas do espetáculo.

Os sons dos objetos caindo foram submetidos a três escutas e, consequentemente, três usos distintos na trilha.

A primeira escuta é a referencial, na qual se busca reconhecer a fonte de cada som. (Isso é uma moeda, aquilo é uma tampa de panela). Essa escuta resulta no uso dos materiais sonoros como sonoplastia, tal qual na cena em que a projeção da frase "Na cozinha, minha mãe quebra um copo" é acompanhada pelo som de um objeto de vidro caindo no chão. E quando quedas dos intérpretes são sincronizadas com sons de vários objetos caindo.

A segunda escuta é a reduzida, na qual a atenção se concentra em parâmetros do som, como intensidade, duração, timbre e altura. (Esse som é mais forte que o anterior. Muito agudo. Intervalos cada vez mais curtos entre cada repetição.) Na trilha, há cenas ou trechos de cenas acompanhados por sucessões de sons de objetos caindo, com efeito análogo ao vídeo de Landa. Seu valor expressivo resulta justamente da flutuação relativamente imprevisível dos parâmetros, construindo sentidos de fatalidade e transitoriedade.

A terceira escuta é musical em que os sons são ouvidos como camadas em estruturas rítmicas e harmônicas. (Pulso constante. Fim de uma frase. Padrão rítmico.) Ao construir as músicas para as coreografias, os sons dos objetos quando caem no chão são incorporados ao fluxo musical, como percussão.

O trânsito ou mesmo sobreposição entre os tipos de escuta, guiou minhas escolhas criativas. A abordagem desses sons é um dos principais dispositivos que permite levar à cabo minha proposta de composição para a cena (de buscar delimitar um universo sonoro peculiar para cada espetáculo) em Horas Breves.